Se tem um barulho que João Guilherme conhece desde sempre é o do caminhão de lixo. Aos 5 anos, o menininho acumula histórias com os coletores que de início chamava de "lixeiros", mas que o apreço à profissão lhe ensinou que o correto é: coletor de lixo. E ai de quem falar o "errado" perto dele. No bairro Nova Campo Grande, na última quinta-feira, quando o caminhão chegou, a surpresa veio correndo de dentro de uma das casas. Era João com o uniforme da Solurb, pronto para receber os amigos.
O menininho é um fofo e a história segue na mesma doçura pela simplicidade. João Guilherme fica tímido diante da entrevista, mas relata sua admiração em tom natural, de quem apenas sonha em ser coletor de lixo. Mas para quem recebe o carinho, o sentimento transborda aos olhos e no sorriso.
Seu Antônio tem 41 anos e na última década, vem sendo coletor de lixo na cidade. É ele quem aparece, de verde, tal qual o garotinho, com João no colo em um dos registros. Que a criançada gosta deles, isso ele já sentiu. "Eles veem a gente passando e dão tchau, gostam. Não ficam com medo de nós. Tem uns que não vê a hora da gente passar", explica Antônio Marcos Padilha.
Sem filhos e nem netos, seu Antônio sente através dos pequenos, algo muito maior do que apenas um cumprimento cordial. "A energia que vem atrás do olhar deles. Isso dá um maior prazer de trabalhar", justifica.
Na manhã da última quinta, ele estava ele, o motorista e mais quatro coletores no caminhão, quando receberam a surpresa. "Quando o caminhão chegou, ele já estava lá de uniforme. Eu ainda perguntei para a mãe dele: aonde que a senhora mandou fazer esse uniforme? Eu fiquei sem palavras quando eu vi ele uniformizado, pequenininho e querendo correr", conta Antônio. Quem ouve, até se emociona pela proporção que o gesto de João tomou.
Ele já chegou a perguntar se o menino quer ser motorista ou coletor e a resposta foi a segunda. "Ele quer correr que nem a gente ali atrás, acho que é porque é a parte onde está moendo o lixo, compactando", completa Antônio.
Em casa, a família sabe da paixão do menino desde sempre. "Ele fica esperando eles lá fora, sabe o dia e a hora que eles vão passar", relata a mãe, vendedora Vanessa Ferreira, de 26 anos. E não é que agora o uniforme da Solurb é a roupa preferida do pequeno? É chegar da escola e pedir para vestir.
"Eles recolhem o lixo e eu quero ser igual a eles", explica João Guilherme dos Santos Oliveira, de 5 anos. No dia da surpresa, ele chegou a dar uma voltinha no caminhão, ao lado do motorista. "Eu fiz o caminho da nossa casa, tinha um monte de botão e meu avô ficou falando no rádio", descreve. O avô, seu Edenil Rosa de Oliveira, de 56 anos, completa dizendo que a função do rádio é de comunicar com a central.
Sobre o que mais gosta, João responde sem titubear. "De ir lá atrás, por que eu quero ser igual eles? Porque eu gosto", enfatiza. A família incentiva o gesto e quando teve a oportunidade de conhecer o chefe do almoxarifado, Carlos, pediu a ele que pudesse de alguma forma intervir para a surpresa.
Na concessionária que administra o lixo na Capital, ações assim, são vistas com bons olhos e na mesma semana dois funcionários foram antes do caminhão chegar ao setor, para presentear o garoto. "Acho bonito ele gostar, porque tem tanta gente que menospreza, e ele gosta, acha legal", dizem a mãe e a avó, dona Olinda de Oliveira, de 60 anos. "Ele ficou tão feliz, que eu achei que fosse chorar. Começou a esfregar os olhinhos, ficou feliz demais quando colocou o uniforme e o caminhão chegou", completa a avó.
A família sabe que quando crescer, tal sentimento pode mudar, mas não acredita que o amor vai acabar. "Ele tem uma preocupação com eles, quando vê que está chovendo, pergunta por que não estão com capa de chuva e aí eles explicam que é porque atrapalha o serviço", exemplifica a avó. "Para mim, assim, é muito bonito ver essa paixão dele, enquanto por aí a gente vê tanto desamor, tanta maldade. Eu acho que ele vai crescer com os mesmos valores e vai levar isso para a vida dele. O que é muito bom", espera Olinda.