Depois de anular o efeito da Ficha Limpa sobre as eleições do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) caminha para outro debate que pode adiar a entrada da lei em vigor por cerca de uma década. Os próximos julgamentos na Corte sobre a Ficha Limpa indicam que dificilmente a lei valerá integralmente para as eleições municipais de 2012.
O artigo 5.º da Constituição diz que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Diante de questionamentos sobre o alcance do artigo, o STF definiu que o cumprimento de uma punição só começa quando o réu esgota todas as possibilidades de recurso ao Judiciário.
Se os ministros entenderem que a inelegibilidade prevista na Ficha Limpa é uma pena - e não uma condição, como argumentam alguns -, a lei perderia uma de suas principais inovações.
Ministros do STF consultados pelo Estado lembram que um processo leva anos para ser concluído. A duração depende da complexidade do caso, do juiz, ou corte que o julga, mas, como diz um magistrado, "há processos que levam uma década".
Se o entendimento da maioria for na linha de que o artigo 5.º se aplica para as cláusulas de inelegibilidade, a Lei da Ficha Limpa só poderá ser aplicada depois que o processo envolvendo um político esgotar todas as instâncias do Judiciário.
Em fevereiro de 2009, o Supremo decidiu por 7 votos a 4 que condenados pela Justiça têm o direito de recorrer em liberdade e não podem ser punidos enquanto houver recurso pendente. O debate era para saber se o Brasil deveria adotar ou não o princípio da execução provisória, isto é, se uma pessoa deve começar a cumprir pena depois de a condenação ter sido confirmada em segunda instância (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal).
Contradição. Apesar dessa certeza jurídica, o presidente do STF, Cezar Peluso, já defendeu uma mudança radical no andamento de processos: depois de condenado na segunda instância, o réu começaria a cumprir pena, independentemente de haver recursos à espera de julgamento em outras instâncias. Essa proposta já foi negociada com o Ministério da Justiça, o que pode levar à confecção de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
Em entrevista ao Estado, publicada em dezembro, Peluso afirmou: "O Brasil é o único país do mundo que tem, na verdade, quatro instâncias recursais". Apesar da proposta, no julgamento da Ficha Limpa o ministro foi numa direção oposta à alteração na Constituição e fez severas críticas ao trecho que torna inelegível quem for condenado em segunda instância, por exemplo. Peluso argumentou ser inconstitucional esse trecho justamente porque o candidato ainda poderia ser inocentado nas instâncias superiores.