Especial por Bosco Martins - Fotos: Evelin Rios
Com um raminho molhado nas mãos, os padrinhos e a rezadeira dona Gedi fazem a prece poderosa. "Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". A simbologia da cerimônia vem desde o início da tradição do batizado, onde a água representa a vida nova, o dom de Deus.
Sob a imagem de Nossa Senhora de Aparecida, numa pequena mesa estão colocados os ramos, a vela, o óleo e a água usada para lavar o pecado e dar vida à criança. O óleo significa a força e a graça de Deus e a vela representa Jesus, que é a luz do mundo. Oficialmente, o batizado é o momento em que a criança é apresentada à sociedade. A cerimônia se encerra com a reza de três Pai Nosso e três Ave Maria e o Salve Rainha, um hino e uma das quatro antífonas marianas.Dona Gedi Flores Sanches uma das mais tradicionais rezadeiras de Bonito.
O trecho "ó clemente, ó piedosa, ó doce, sempre Virgem Maria!" é repetido pelos presentes e foi escrito por São Bernardo, no século XII. Os padrinhos recebem a missão da rezadeira de proteger a criança, como se fossem os pais.
Aos 75 anos, a católica e rezadeira dona Gedi Flores Sanches como é conhecida em Bonito, começou a exercer sua vocação logo cedo. Desde criança, trocava as brincadeiras, para ouvir de seus pais e tios as histórias de Sinhozinho figura mítica já incorporada à história e ao folclore de Bonito. Considerado um homem santo por seus seguidores, a história do "Mestre Divino" remete a década de 1940, quando de longas barbas, olhos e cabelos claros apareceu na região.
Benzedeiro, Sinhozinho ( ou Senhorzinho para outros) era tido como curandeiro e realizador de milagres. Utilizando apenas cinzas e água em suas sessões de cura. A rezadeira que é filha de família tradicional bonitense, seus pais Graciolino Sanches (Apelido Grácio) e dona Angelina Sanches Andrade, perderam filho de "crupe viral." Uma doença ainda desconhecida naquele tempo sendo um vírus que atinge a laringe, deixando inchada e causando os sintomas. Apesar da crupe ser uma doença que se cura na maioria das vezes, mesmo sem tratamento, o inchaço da laringe pode impedir gravemente a entrada de ar para os pulmões, podendo, em alguns casos, levar à morte e foi o que aconteceu com um de seus irmãos, sendo uma outra irmã, curada por Sinhozinho.Dona Gedi Flores Sanches uma das mais tradicionais rezadeiras de Bonito.
Dona Gedi conta que seu tio Hilário Sanches, como o apóstolo Pedro foi para Jesus Cristo, era o principal apóstolo e seguidor de Sinhozinho e com a cura da irmã contada pelos pais, desde então sua fé e crença só fizeram aumentar se tornando assim uma das principais rezadeiras. Ela tomou gosto pelas preces ritmadas e logo mais tarde, não queria que nada lhe atrapalhasse de viver para aquilo que nasceu: rezar e pedir a Deus pelos outros. "Aqui em casa, eu criei meus filhos e netos na paz de Deus. Sempre foi rezando e pedindo a Deus para nos dar força", conta.
"Eu rezo pra todo mundo. Não tem aborrecimento. Jesus vai me dando força e eu vou vencendo. Quando eu era pequena já ia na Igreja do Sinhozinho e ia rezar por todo mundo. Ainda hoje sou do mesmo jeito. Eu acho que eu sempre vou ser feliz assim só pra viver de paz e a alegria. E é tão bom, tão bom..", afirma. Dona Gedi é comprometida com a fé e o batismo e após a cerimônia, ela conversa com as pessoas que já sabem de sua aptidão para falar de Jesus e diz que quando não faz isso, não se sente bem. "É bom rezar e orar antes de batizar." Carla Cardoso na igreja de Sinhozinho em Bonito onde leva seus filhos para rezar e manter a tradição
Tudo pela fé
"Na verdade, o que as pessoas buscam é a paz". Nem sempre o acesso à religiosidade foi fácil, especialmente em zonas rurais de cidades como Bonito. Era muito comum que as pessoas se apegassem à fé das rezadeiras para superar doenças
e fazer orações e a fé dessas mulheres e não se tinha um padre que assistisse na zona rural, este era o único recurso, conta ela.
Elas rezam com um ramo verde. Rezam orações católicas. Em varias paróquias, as que ainda restam e têm ainda uma força muito grande. Almoço de batizado da pequena Ísis
O trabalho de dona Gedi é humilde e desprendido, algumas dessas rezadeiras, como Sinhozinho também são benzedeiras e tem o poder de cura tão forte, que tomam para si as enfermidades de quem chega pedindo apenas uma prece e fazem várias rezas. Para espinhela caída, peito aberto e mau olhado etc. Mas dona Gedi não, ela faz questão de deixar claro que não é benzedeira, apenas rezadeira. "Eu nasci numa família que cultivou a crença na reza. Quando uma cobra atacava alguém, não havia antídoto algum tempo atrás, então se rezava para a pessoa ser salva. Mas as rezadeiras rezavam também pelos animais. É uma experiência de fé muito grande. Algumas delas até dizem que quando rezam, sentem que a enfermidade dos outros chegam em si. São experiências interessantes, místicas, e são válidas. Às vezes a pessoa está com depressão, sem ânimo, perdendo a vontade de viver, e a única maneira que encontra é rezando. E aí elas se sentem curadas", acredita.
O batizado que reuniu vários convidados e moradores do entorno do Rio Formoso e contou com a presença da rezadeira foi para batizar a pequenina Isís Vitória de Souza Lima, de seis meses.
Ela é Filha do casal Alex de Souza Rios e Neide Rios Martinez e a cerimônia aconteceu nesse fim de semana no Recanto Poliana, no KM 12 da Rodovia do Turismo. Bonitense da gema e filha de família tradicional, Cida Trelha lembrou que "antigamente batizava os filhos em casa e mais tarde na igreja. Meus pais batizaram nós assim também. Queria muito que meus filhos seguissem a tradição, mais não consegui".
Moradora numa fazenda próxima na região do batizado Carla Cardoso diz que o "batismo é cultura e muita crença no nosso Senhorzinho. Sei bem o que é isso meus pais me ensinaram e hoje passo para meus filhos é muito lindo parabéns que sempre exista momentos assim em nossas vidas."