Estadão.com | 7 de julho de 2011 - 14:28

Estudos apontam falhas em cálculos sobre extinção

Estudos recentes questionam métodos científicos consagrados para estimar o risco de extinção de espécies. Para os autores, a crise da biodiversidade é um fato inegável, mas há o perigo de se utilizar dados pouco confiáveis na definição de políticas ambientais. Na prática, previsões erradas comprometem a eficácia dos projetos, estimulam o desperdício e causam descrédito.

Um trabalho publicado na revista Nature, por exemplo, mostra porque estavam erradas diversas estimativas do início da década de 1980. Muita gente achava que, até o fim do milênio, metade das espécies de seres vivos teria sido extinta - profecia que, felizmente, não se cumpriu.

Na última década, surgiram novos anúncios de cataclismos na biodiversidade. Um dos mais famosos relaciona aquecimento global e extinção em massa. O trabalho, publicado há sete anos na própria Nature, previa a extinção de até 50% das espécies até 2050 como saldo do efeito estufa. A notícia mereceu manchetes, mas tudo indica que o porcentual está inflacionado.

Em ambos os casos, os cientistas partiram de um método conhecido como Relação Espécies-Área (SAR, na sigla em inglês), utilizado para estimar quantas espécies novas são descobertas quando se explora um hábitat desconhecido.

Simplesmente inverteram a lógica e criaram o SAR reverso: se um biólogo encontra, em média, três espécies novas quando vasculha 40 quilômetros quadrados de Mata Atlântica, a destruição da mesma área do bioma traria consigo a extinção de três espécies. Certo? Errado.

O chinês Fangliang He e o americano Stephen Hubbell, do Instituto Smithsonian, mostraram que as estimativas obtidas com o SAR reverso podem oferecer valores até duas vezes maiores que a realidade (entenda o motivo do erro no infográfico).

Alguns ecocéticos chegaram a perguntar "Onde estão os cadáveres previstos?", para depois concluir: "A crise da biodiversidade é um mito." Tudo o que os autores do paper da Nature querem evitar. Eles admitem que os resultados do estudo podem ser usados para sabotar esforços conservacionistas e defender a ideia de que a destruição de biomas não é um problema.

"Não há dúvida de que a Avaliação Ecossistêmica do Milênio (levantamento solicitado pelas Nações Unidas sobre o meio ambiente) identificou corretamente a perda de hábitats como a principal ameaça à biodiversidade na Terra", esclarece o artigo. "E a sexta extinção em massa (da história do planeta) já deve ter começado ou está iminente."

A ressalva não poupou o trabalho de críticas. Michael Rosenzweig, da Universidade do Arizona, foi um dos revisores do estudo e suplicou à Nature que não o publicasse. "Estava desesperado", afirma Rosenzweig. "Fiquei chocado com o artigo."

Os autores sugerem outra abordagem para realizar as estimativas. Nada muito novo: um método conhecido como Relação Endemismo-Área, proposto em 1997 por Ann Kinzig e John Harte, da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Contudo, os pesquisadores só dispõem de forma incompleta dos dados que o método exige. Em concreto, um relatório com dados confiáveis de endemismo - distribuição geográfica das espécies do bioma estudado.

Lista. Outro trabalho, divulgado na PLoS Biology, questiona a validade de um dos instrumentos mais usados em políticas conservacionistas: a lista vermelha de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Pesquisadores americanos, britânicos e sul-africanos compararam os vegetais presentes na lista vermelha da África do Sul e da Grã-Bretanha com dados genéticos e levantamentos em campo.

Eles afirmam que a lista inclui espécies que não estão ameaçadas. "Espécies mais jovens costumam parecer sempre em alto risco de extinção pelo simples fato de não terem tido tempo de crescer e se diferenciar", argumenta o biólogo Jonathan Davies, da Universidade McGill, nos EUA.

O grupo advoga a necessidade de estudos filogenéticos que ajudem a determinar qual é a história de cada espécie.

Gustavo Martinelli, do Jardim Botânico do Rio, concorda. "Dado genético é importantíssimo", afirma. "Mas não é fácil obtê-los. O Brasil, por exemplo, não tem nem gente suficiente para fazer estudo filogenético de suas 40 mil espécies de flora. E não dá para esperar esse tipo de informação para começar a preservar."

Martinelli é responsável pela atualização da lista vermelha da flora brasileira. Seu grupo analisará até maio do próximo ano cerca de 3 milhões de registros de 5 mil espécies para definir a lista.

A nova lista da fauna ameaçada está sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Segundo Ugo Vercillo, coordenador-geral de espécies ameaçada do órgão, os critérios da IUCN possuem outra vantagem: como são usados em todo mundo permitem comparações com outros países.