DA REDAÇÃO | 14 de dezembro de 2017 - 08:46 CENAS

Paulo Duarte Paes: 'O segredo das meninas presas'

Em outubro de 2008, o Correio do Estado publicava uma matéria sobre uma apresentação teatral de um grupo de adolescentes “presos”, nas Casas de Guarda (hoje Uneis), por terem cometido alguma infração considerada grave.

O espetáculo, “O Segredo da Chave Encantada”, foi apresentado primeiramente dentro das unidades e depois no Teatro Aracy Balabanian, para crianças das escolas particulares e para o público em geral.

Faziam parte do elenco quatro meninos da Unidade Masculina Dom Bosco e sete meninas da Unidade Feminina da Bandeirantes.

Durante a metade do ano, as oficinas aconteciam como encontros felizes, mas, algumas vezes as dores ali escondidas afloravam até às lágrimas. Ensaiamos muito, fomos várias vezes ao teatro e iniciamos os estudos, a criação do roteiro coletivo e a produção da peça. 

As oficinas aconteceram separadamente durante a maior parte do tempo. Ao final, conseguimos a autorização dos coordenadores das unidades para juntar os meninos e as meninas nos ensaios. Os encontros aconteciam com respeito e encantamento, uma paquera inevitável e até um namoro prometido para depois do cumprimento da medida.

Com alguns destes meninos e meninas, hoje adultos, eu mantenho contato até hoje. A Margarida (pseudônimo), quando voltou para sua casa, na época, me escreveu uma longa carta, que recebi como um troféu de professor. Ainda hoje nos comunicamos pelo Facebook e ela curte e comenta os trabalhos que realizo com pessoas que vivem mais intensamente a exclusão social.

Manter pessoas presas é sempre algo muito doloroso, no caso de adolescentes é ainda mais cruel. O sofrimento pode ser percebido nas entrelinhas das atividades e brincadeiras. E foi desse sofrimento que elas criaram as bases para o roteiro da peça.

O drama infantil contava a história de uma menina que ultrapassou uma linha proibida e por isso ficou presa num castelo. Dizia a lenda que existia uma “chave encantada”, que era a única forma de abrir o portão do castelo. Suas amigas e amigos saem em busca da chave para libertar a amiga.

Na viagem são orientados por bruxas, índios, florestas com árvores encantadas, como um labirinto de códigos misteriosos. Os perigos, os enganos e os amigos verdadeiros se misturam, turvando a visibilidade de um possível caminho seguro.

Já quase desistindo, descobrem que a liberdade estava muito mais perto do que podiam imaginar. Mas a chave encontrada não é material, não existe de verdade e somente algumas pessoas podiam sentir, ver e tocar sua existência encantada. Por fim, libertam a amiga com um plano mirabolante e comemoram felizes.

Ainda hoje, quando falo com Margarida, um segredo brilha iluminando esse invisível tão real. Está lá, mas poucos conseguem vê-lo. Os que afirmam sua existência como ponte para a liberdade sofrem agressão ou zombaria. Mal sabem que as dores da prisão estão na incapacidade de expressar os sentidos poéticos da existência.