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Quanto vale preservar a água limpa de Bonito

Ouço muita gente falar, achando graça, que grande parte das crianças de hoje não sabe que o leite vem da vaca. Os pequenos acreditam que ele vem, de fato, da caixinha que é encontrada na prateleira do supermercado.

13 Jun 2017 - 11h23Por Blog do Planeta

Ouço muita gente falar, achando graça, que grande parte das crianças de hoje não sabe que o leite vem da vaca. Os pequenos acreditam que ele vem, de fato, da caixinha que é encontrada na prateleira do supermercado. Passado o momento de ternura movido pela inocência infantil, um pensamento sempre invade a minha mente: os adultos que riem dessas crianças são, em geral, os mesmos que agem como se a água de suas casas viesse das torneiras!

Vale lembrar que o caminho que a água percorre antes de surgir nas nossas pias e nos chuveiros é longo e, muitas vezes, sofrido. A crise hídrica, que mostrou sua cara com mais intensidade no sudeste e sul do Brasil em 2014, na verdade nasceu  décadas antes. Por causa da ocupação desordenada de áreas de mananciais, do desmatamento de matas ciliares e do despejo de rejeitos nos corpos d’água, pouco a pouco importantes rios estão adoecendo.

Nesse contexto, as Unidades de Conservação (entre elas, os parques e florestas nacionais, estações ecológicas etc.) ocupam, cada vez mais, papel importante, não só na proteção do equilíbrio no funcionamento dos ecossistemas, mas também na proteção do bolso da sociedade. Não existe mágica: para obter água em maior qualidade e quantidade possíveis, é necessário, simplesmente, não fazer nada. Manter áreas de mananciais protegidas sempre será a maneira mais barata de garantir água para consumo humano. Qualquer realidade diferente dessa implica uma conta mais alta a ser paga.

O problema é que, do ponto de vista da economia, “não fazer nada” tem custo: o custo de oportunidade, que é, simplesmente, aquilo que deixamos de ganhar quando fazemos uma opção. Quando escolhemos passar as férias na praia, por exemplo, assumimos o custo de oportunidade de não desfrutar os benefícios de ir para as montanhas. E, quando criamos Unidades de Conservação, assumimos o custo de oportunidade de não obter mais as receitas de usos do solo incompatíveis, como agricultura, pecuária ou ocupação imobiliária.

É natural que haja conflito onde a conservação dos recursos naturais demanda a redução ou, mesmo, o impedimento às atividades econômicas. As pessoas costumam entender muito claramente o que significa colocar mais números em seu saldo bancário, mas sabem muito pouco sobre como  a manutenção da biodiversidade afeta sua vida, por exemplo. Esse falso embate entre desenvolvimento e conservação, em geral, vira uma guerra de forças que não se entendem, simplesmente porque seus argumentos são expostos em unidades de medida diferentes. O pessoal da geração de renda não consegue atribuir valor para a conservação da natureza, e vice-versa.

Mas o que acontece quando é possível expressar a importância da conservação, literalmente, na mesma moeda? Como as escolhas ocorrem quando a água, além de surgir das torneiras, também é a principal fonte de renda de uma sociedade?

Ao mencionar Bonito, em Mato Grosso do Sul, não é preciso outra informação para que nos venha à mente a imagem de rios com águas absurdamente cristalinas, povoados por fauna e flora aquáticas incríveis. Esse município e seu entorno proporcionam um dos raros casos no Brasil em que conservação e desenvolvimento econômico estão intimamente associados, impulsionados pelo motor do turismo de natureza. Como se não bastasse, essa receita de sucesso tem, como ingredientes, a participação do poder público, empresários, prestadores de serviço, sociedade civil e proprietários de terras com atrativos turísticos. Era de esperar que, finalmente, todos esses elementos encontrassem um lugar para viverem felizes para sempre. Mas não é exatamente esse o caso.

Há alguns anos, tramitam em Bonito iniciativas visando à criação de Unidades de Conservação para proteger, em especial, duas áreas de banhados. Apesar do pequeno apelo paisagístico, se comparados aos singulares rios, cachoeiras e cavernas da região, esses locais, além do hábitat para espécies raras, abrigam nascentes do Rio Formoso e do Rio da Prata. Vale lembrar que a maior parte dos atrativos naturais de Bonito está localizada na Bacia do Rio Formoso, incluindo o Balneário Municipal, que, apenas no ano de 2015, recebeu mais de 71 mil visitantes. O Rio da Prata, por sua vez, abriga um dos principais atrativos da região, que, só com ingressos, tem faturamento estimado em pelo menos R$ 3,8 milhões no mesmo período.

Mas, mesmo em uma realidade em que a qualidade da água desses rios, em grande parte mantida pelos banhados, tem tanta importância para a economia local, o processo de criação das áreas protegidas se tornou um grande embate jurídico. E aí entra uma outra característica cruel desse delicado equilíbrio econômico da proteção da natureza: enquanto os benefícios de uma Unidade de Conservação são distribuídos coletivamente em pequenas porções, seus custos de oportunidade costumam ter endereço certo. E quando um pequeno grupo é afetado de forma intensa (mesmo que em uma escala menor, em comparação com a  sociedade), em geral há uma assimetria na intensidade da reação.

E como a economia, tantas (e, frequentemente, infundadas) vezes usada como justificativa para iniciativas que degradam o meio ambiente, poderia ser utilizada para orientar essa tomada de decisão?

Bonito, no Mato Grosso do Sul (Foto: Marcos Amend)Bonito, no Mato Grosso do Sul (Foto: Marcos Amend)

Se essas áreas de banhado que, juntas, somam 6.922 hectares não forem protegidas, seu uso alternativo será, supostamente, a produção agropecuária. Ocorre que a agropecuária do município responde por 25% de seu PIB total (dados de 2013),  enquanto os serviços, movidos sobretudo pelo turismo, respondem por 39%. Se, hipoteticamente, atribuirmos aos banhados a mesma rentabilidade das demais áreas do município, em termos de quantos reais elas podem gerar por cada hectare produtivo (com base em valores atualizados do último censo agropecuário), chegamos a uma capacidade de acrescentar cerca de R$ 1,2 milhão por ano na economia, equivalente a 0,23% do PIB.

Ou seja, do ponto de vista do município, vale a pena colocar em risco o setor que gera 39% do seu PIB e 75% dos postos de trabalho (dados de 2013, sem considerar empregos públicos), quando o caminho alternativo teria capacidade de, no máximo, acrescentar 0,23% de ganho na economia? Fica claro que, sob uma perspectiva econômica, a pergunta a ser respondida no caso da criação dessas Unidades de Conservação não deveria mais ser “o que fazer”, mas “como fazer”.

Cabe agora aos atores envolvidos a capacidade de negociar um caminho em que a sociedade local, como um todo, permaneça ganhando. De fato, a maior necessidade, talvez, seja equalizar o aspecto distributivo dos custos e benefícios. A criação de uma Unidade de Conservação com categoria que não necessite de desapropriação das terras, como uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) ou Refúgio de Vida Silvestre, pode ser um bom começo. Implantar um sistema de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), em que os beneficiários da conservação compensam os proprietários de terras que “produzem” a tão famosa água cristalina da região, também é uma opção já avaliada e com boas chances de sucesso. Sem contar que, apenas pelo aumento de suas áreas protegidas, o município já teria um incremento em suas receitas com ICMS Ecológico – que, em 2010, já rendia aos cofres públicos o equivalente a R$ 4,2 milhões (valores atualizados para  outubro de 2016).

Enfim, a crise hídrica está batendo na nossa porta e já não pode mais ser ignorada. O uso da terra no Brasil precisa começar a considerar, além das receitas privadas, seu custo social. E, cada vez mais, precisamos começar a tomar decisões com base em boa informação. Do contrário, corremos o risco de continuar a aceitar passivamente a degradação de nossa natureza, mesmo nos lugares onde é a água que tem mais valor.

*Marcos Amend desenvolve estudos e projetos na área de Economia da Natureza.

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